sexta-feira, 29 de junho de 2012

Entrevista: Luiz Narciso Baratieri



O professor Luiz Narciso Baratieri dispensa comentários. É um profissional que, como poucos, entende e ensina a odontologia restauradora estética para dentistas do Brasil e do mundo afora. Dentre o seu vasto currículo, é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC - Brasil), possui Mestrado e Doutorado em Dentística pela USP, além de Pós-Doutorado pela Universidade de Sheffield (Inglaterra). Além disso, é especialista em periodontia e possui mais de 120 artigos publicados nas revistas científicas de grande impacto, além de inúmeros livros em sua autoria, traduzido para mais de 5 idiomas. Ministrou mais de 300 cursos na carreira e ainda se compromete com a formação de muitos alunos. E é com grande satisfação que esta lenda se disponibilizou a dar a entrevista que, com certeza, será de grande valia para todos. 





1 - Para você, qual a grande tendência de odontologia estética hoje?

Na verdade, acredito que não seja mais uma tendência e sim, três GRANDES realidades: 1- A implantodontia a serviço da odontologia estética. 2- as restaurações parciais de cerâmica, em especial, as chamadas FACETAS CERÂMICAS. Especialmente agora, estas são possíveis, em várias situações, sem a necessidade de desgaste dental. Essas restaurações, apesar do preço mais elevado, possibilitam que uma gama maior de profissionais esteja apta a realizar adequados tratamentos do ponto de vista estético. Elas, na minha opinião, representam a mais democrática de todas as alternativas restauradoras. Algumas pessoas poderão pensar que são as resinas compostas, todavia, elas são extremamente mais diíiceis de serem usadas pela média dos profissionais. Vários pontos favorecem, hoje, a maior execução das restaurações cerâmicas parciais: a) as propriedades físicas, mecânicas e ópticas das cerâmicas atuais; b) a substancial melhoria na qualidade dos técnicos em prótese dental; c) a adesão aos tecidos dentais, em especial. Outro detalhe importante é que vários estudos mostram que a taxa de sucesso dessas restaurações é extremamente elevada. 3- Por último, mas não menos importante, está a possibilidade de concfecionarmos restaurações com o auxilio do computador (CAD/CAM).

2 -  Um profissional como você, que viu tantas transformações na odontologia, tanto de técnica, quanto da evolução dos materiais, qual foi a grande evolução da odontologia estética?

Sem dúvida alguma, a odontologia adesiva é a grande responsável. Sem os conhecimentos sobre adesão aos tecidos dentais duros que estão disponibilizados hoje,  a odontologia restauradora estética certamente não teria a força que tem. A possibilidade de unirmos aos dentes naturais, sem termos de, algumas vezes, desgastá-los,  materiais semelhantes a eles quanto a cor e propriedades físicas e mecânicas é algo que há poucos anos atrás era, para muitos, inimaginável. A odontologia adesiva, proposta inicialmente por Buonocore, um cientista dental impar, é a grande responsável por todas essas "novas" e fantásticas possibilidades que dispomos atualmente.  Porém sempre é bom lembrarmos que os achados de Buonocore ficaram adormecidos por cerca de  25 anos, por conta de um contingente enorme de céticos, atrasando, certamente a chegada desse maravilhoso tempo que vive a odontologia restauradora atualmente.

3 - Você acredita em proteção pulpar direta com sistemas adesivos?

Posso pular essa questão? Estou brincando. Já acreditei. Fui levado a acreditar, diga-se de passagem, por conta de EVIDÊNCIAS CIENTIFICAS disponibilizadas em revistas cientificas de alto fator de impacto. Por conta de publicações de pesquisadores, altamente renomados na época. Por conta disso (não estou querendo transferir responsabilidades) e pela minha inexperiência, ou quem sabe prepotência, executei esse tipo de procedimento inúmeras vezes e o que é pior, recomendei, inclusive através de um dos meus livros. Eu estava equivocado. Reconheço. Infelizmente, naquela ocasião eu tinha um amigo "cientista"em quem eu confiava muito e que também me estimulou a usar o procedimento. Para  meu espanto um tempo depois ele escondeu a aula sobre "Mitos Pulpares" e passou a atacar cientificamente aqueles que executavam tal procedimento. Por conta do meu equivoco passei muitos anos da minha vida “apanhando” de vários pesquisadores. Várias vezes presenciei pessoas me olhando como se estivessem dizendo: “esse aí é o “babaca”que coloca ácido na polpa”. Sem contar os inúmeros professores que passaram a me tratar mal ou que deixaram de falar comigo ( agora todos já voltaram a falar comigo). Ainda hoje tem gente que me pergunta assustado sobre isso. Sem contar os estudantes que me procuram e dizem: “meu professor diz isso e aquilo sobre o Sr., pelo fato do Sr., aplicar ácido na polpa”. Mas como aprendi com meu pai que “bom cabrito não berra”, fui levando a vida e, hoje, posso dizer, com a cabeça erguida, que INFELIZMENTE, eu estava equivocado mas que continuo na “luta” e que a “luta” tem sido ótima.

4 -  O cimento de ionômero de vidro ainda tem sua utilização como base de restaurações de resina compostas?

Acredito que sim. Embora eu não o use com a frequência que já o utilizei, ainda assim, em casos, por exemplo, de cavidades de classe II em que não há esmalte na margem gengival, ainda faço uso de um ionômero de vidro como base. Para ser sincero, cada vez que faço isso, sinto como se estivesse traindo a mim mesmo. Sinto como se alguém estivesse me espionando e dizendo: "Tá vendo. Tá vendo. Ele usa ionômero". Toda vez que uso um ionômero lembro, com muito carinho e respeito, da minha orientadora de doutoramento, a Professora Maria Fidela de Lima Navarro, que sempre foi uma estudiosa do assunto.

5 -  Pensando em uma restauração classe IV, ou III, você indica ou não a confecção do bisel e por que?

NÃO, NÃO INDICO. Respeito aqueles que indicam mas não vejo nem uma razão para isso. Já orientei alguns trabalhos de dissertação e tese sobre isso e verificamos que, com as resinas atuais, as quais são completamente diferentes das resinas do passado, quando esse artificio foi primeiramente indicado. Realmente NÃO acredito nas razões até hoje advogadas para fazermos biseis. Reafirmo, respeito aqueles que fazem uso desse artifício, mas não vejo necessidade. Pense no seu filho de 8 anos de idade com o dente 21 fraturado. Se você fizer o bisel NUNCA mais você terá a possibilidade de usar a estrutura dental que foi removida. Lembre que essas restaurações, especialmente em crianças, tem um tempo de vida útil muito baixo, da ordem de 5 anos. Até a idade adulta a restauração será substituída várias vezes, implicando em mais desgaste dental. A odontologia adesiva é fantástica exatamente por isso: IMPEDIR A NECESSIDADE DE DESGASTE DENTAL (pelo menos em algumas situações). Felizmente, tenho tido o privilégio de testemunhar, por todo o mundo, cada vez mais profissionais usando essa estratégia. E ninguém precisa brigar por isso.

6 -  Os sistemas CAD-CAM vieram para tomar conta do mercado da confecção de restaurações indiretas. Você acha que em um futuro próximo ainda terá espaço para as cerâmicas e metais obtidos por fundição?

Confesso que sou um apaixonado pela tecnologia CAD/CAM. Já faz 8 anos que uso, sistematicamente, na minha clínica privada o sistema Cerec da Sirona. Atualmente tenho um Cerec AC que me parece fantástico. Quanto mais uso mais apaixonado fico. Mas quanto a pergunta especifica não sei dizer. É provável que sim. 
    
7 -  Quando você se apresenta para uma platéia grande, como se sente?

Quando me apresento para qualquer platéia me sinto no céu. Amo fazer aquilo que faço. Faço para o público. Não importa o número de pessoas. Sempre dou o máximo.  Quando fiz a minha primeira apresentação em um congresso, lá se vão cerca de 35 anos, haviam apenas três pessoas no auditório. O professor que fez a minha apresentação, o moço responsável pela projeção e um senhor de cabelos branco. Nunca esqueço desse dia. Talvez tenha sido a melhor que já fiz (a primeira a gente nunca esquece, alem do fato de praticamente não ter havido testemunhas.). Até hoje sou amigo desse senhor ( por sinal um dos melhores dentistas que conheci na minha vida). Imagine se eu não tivesse dado o máximo. No mínimo ele teria saído da sala e teria interrompido a minha primeira apresentação por falta de público. Uma platéia grande depende do tamanho da sala. Uma vez fui a Manaus ministrar um curso e no auditório haviam mil e quinhentos lugares. Acontece que haviam apenas (para aquele imenso auditório) 350 pessoas (o que é um excelente número).  A sensação era de auditório vazio. De fracasso. Então sugeri mudarmos para uma sala menor, de trezentos lugares e com cinquenta cadeiras extras. A sensação passou a ser de um MEGA SHOW. Tudo que faço é para o público, não importa o tamanho. Mas é óbvio que um auditório cheio faz a adrenalina aumentar e torna tudo ainda mais agradável.

8 -  Para você, qual o tratamento restaurador estético mais difícil de se realizar?

Quase tudo que envolve o uso de resinas compostas em dentes anteriores é difícil. Inserir e polimerizar a resina é fácil, mas fazer a restauração se parecer com dente natural é muito difícil. Infelizmente poucos são, realmente, bons nisso. Por outro lado, muitas profissionais, por sempre darem o melhor de si acabam acreditando que fazem muito bem suas restaurações. Infelizmente não é isso que se vê. Nesse aspecto, quanto menor a restauração, como por exemplo, uma pequena classe III com extensão vestibular ou uma pequena classe V na superfície vestibular dos incisivos superiores, me parece mais difícil  igualar a cor da resina a do dente. As restaurações maiores sempre me pareceram mais fáceis. Embora elas também sejam muito difíceis. Restaurações diretas envolvem um aspecto muito importante e que é difícil de ser controlado, o estresse  da espera do resultado final. Outro aspecto muito importante é que não basta o profissional saber fazê-las apropriadamente. Ele precisa ter muita paciência, especialmente nas etapas finais. Isso demanda tempo e, geralmente, muitos profissionais acabam optando pela produtividade em detrimento da "excelência". Outro aspecto critico dessas restaurações é que as diferentes marcas comerciais de resinas compostas apresentam um comportamento óptico muito confuso e diferente em relação a elas próprias e aos tecidos duros dentais.

9 -  Você tem algum professor em que você se espelha ou já se espelhou?  

Claro. Tive vários professores em quem me espelhei. Vários. Em vários aspectos. Sempre gostei de prestar a atenção na forma como os meus professores estruturavam suas aulas. Sempre. Tive, ainda na infância, uma professora de português chamada Vera Bazzo que foi, provavelmente, a pessoa que mais me influenciou. As aulas dela, mesmo sobre gramática, eram um verdadeiro deleite. Ela tinha aquilo que julgo fundamental em qualquer professor, inclusive mais importante que o conhecimento (me perdoem). Ela tinha aquele brilho nos olhos que cativa as pessoas e que as colocam em coneção com aquilo que está sendo apresentado. Quando fiz meu mestrado e doutorado na FOB-USP, lá se vão muitos anos, tive um professor de endodontia, o Clóvis Bramante, que me fascinava com as suas excelentes aulas. E olha que ele não costumava usar slides. Nesse aspecto acredito que tive MUITA SORTE na vida, pois tive, realmente, ÓTIMOS professores. Sou grato a todos eles. Para finalizar gostaria de lembrar a todos, especialmente aos mais jovens, que continuo acreditando que, apesar dos problemas, a nossa profissão ainda é a melhor profissão do mundo. Torná-la ainda melhor só depende de nós. Felicidades para todos.

Entrevista realizada por Eduardo Souza Junior